quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



UM




Passaram-se três meses. Eu tranquei fundo os meus sentimentos. Nunca mais toquei no assunto. Nunca mais pronunciei aquele nome, nunca mais olhei naqueles olhos atormentados. Eu sabia que ele agora vivia na mansão permanentemente.Nunca mais voltei lá. Eu deixei de lado a minha vida de reclusão, para sair apenas durante a noite. Eu agora gostava de finjir que era uma garota comum. Era meu aniversário. Estava rezando para que todos tivessem esquecido. Me arrumei. As roupas pretas com de costume, coturnos como de costume, quilos de maquiagem pretas sobre os olhos, como dizia o Daniel, batom bermelho. Meu cabelo agora alcançava os ombros. Eu havia desistido da Violeta genciana para tingir com tinta de cabelo vermelho cereja. Nessa época eu estava mais pálida como em nenhuma outra na minha vida. Eu escolhi calças pretas agarradas ao corpo, uma blusa justa ao corpo com mangas longas e folgadas e coturnos de salto plataforma, com cano até os joelhos. Me olhei no espelho e me senti satisfeita. Desci as escadas para me deparar com minha sala completamente enfeitada, com faixas fitas e bexigas coloridas e um bolo cor-de-rosa no centro da mesa de jantar, rodeado por doces, salgados e enfeites igualmente cor-de-rosa.
A faixa no centro da sala dizia FELIZ ANIVERSÁRIO escrito em dourado. Eu nem acreditei quando olhei aquilo. E eles também não acreditaram em me ver antes das oito da noite no andar de baixo da casa em uma sexta-feira. Pelo visto, os preparativos ainda não haviam terminado. Eu desci e resolvi ignorar a decoração.
- Podem continuar, estão fazendo um ótimo trabalho! Finjam que nem me viram passar!(G)
- Ah, Gabrielle, você não vai deixar de vir na sua própria festa de aniversário vai?(D)
- Ai gente, vocês sabem que não ligo pra esse tipo de comemoração. Não me importaria se vocês nem tivessem se lembrado. Mas vou tentar aparecer, agora, eu preciso ir.(G)
Eu tentei ignorar as caras de decepção. Me enfiei apressada no banco do motorista do meu novo Golf vermelho e me diriji até a praça no centro de Campinas.
Eu agora havia adquirido o costume de frequentar uma praça que ficava no centro da cidade de Campinas. O lugar era muito animado, cheio de luzes, bares, restaurantes, pizzarias, uma boate, e casas noturnas nas ruas em volta. Havia feito alguns amigos, Todos adolescentes comuns de 16 anos que se sentiam muito diferentes, com suas roupas escuras e sua maquiagem chamativa. Pela primeira vez eu me sentia parte de um grupo. Eu era uma mutante, mas ainda era uma adolescente, eu precisava me divertir e embora omitisse muitas coisas para meus novos amigos, eu podia ter conversas abertas sobre certas coisas que as pessoas na minha casa não se interessavam ou não entendiam. Eu não era feliz, mas me sentia confortável. Dois dos meus amigos mais próximos eram o Filipe e o Gustavo. Eles eram populares no nosso mundinho gótico descontrolado. Eram altos e magros usavam uma maquiagem muito mais pesada e trabalhada que a minha e tinham o costume de se vestir com roupa de mulher. Eles não eram homossexuais, mas as roupas lhe caíam muito bem. Eram animados, estavam sempre rodeados de gente, estavam sempre sorrindo, e a vida parecia ter um gosto muito mais doce para eles do que para mim.
O Filipe era DJ em uma das casas noturnas próximas, então, no final de semana nós estávamos sempre bêbados pelos arredores da praça, para entrar na casa noturna depois da meia-noite e dançar até que o dia amanhecesse. Foi nessa noite, que eu vi a pessoa que definitivamente mudou tudo. Era uma note sem lua. Eu estava deitada no asfalto no meio da praça, eu me virei para procurar algum dos meus amigos e ele estava lá, sentado em um banco de praça, um adolescente gótico como tantos outros, os cabelos compridos até a cintura a pele branco giz, que eu sabia que era maquiagem, os olhos azuis claríssimos que poderiam ser tanto o efeito da pouca luz em olhos muito claros, como também poderiam ser lentes de contato, ele usava um sobretudo de vinil acinturado até os tornoselos, uma calça de um pano que eu não identificava cheia de fivelasn uma blusa que era, de uma espécie de redinha cinza, que mostrava o peito muito branco totalmente nu. O corpo musculoso era perfeito, cada linha, cada músculo, tudo perfeitamente desenhado, como num filme, como na minha imaginação um vampiro deveria ser. Nesse nosso mundinho gótico, na grande maioria das vezes, gostamos de ser comparados à vampiros. E ele era, exatamente como eu imaginava que um vampiro deveria ser. Ele não usava nenhuma maquiagem, além do pó branco que provavelmente transformava sua pele em giz. Ele olhava para mim, sério, o olhar era penetrante, a boca não era muito grande, mas era bem vermelha, ele deu um sorriso sinistro e se levantou para vir em minha direção. Eu havia me perdido naquela beleza de anjo caído, quando percebi que não podia ler os pensamentos dele. Eu me concentrava, mas só enxergava o vazio, não ouvia nada além dos meus próprios pensamentos e os pensamentos das pessoas ao redor, mas dele, não vinha nada. Será que ele também era como eu? A única pessoa de quem eu não podia ler os pensamentos era o Caio. E ele era um mutante, com poderes semelhantes aos meus. E eu me lembrava de ele ter dito que o Julian, o Daniel, o outro garoto e eu, éramos os últimos. Será que aquele anjo era algum mutante que eu não conhecia? Não me lembrava de ter visto tal perfeição na mansão. Mas todos os mutantes eram muito bonitos. Ele poderia sim ser um. E com certeza ele era.
O garoto misterioso estava a alguns passos de mim. Quando eu ouvi o Filipe chamar pelo meu nome.
Eu me levantei com um pulo para ver o que era. E lá estava a Sofia e o Daniel parados ao lado dele. Eu me virei para olhar para o garoto misterioso, mas ele havia sumido. como num passe de mágica não estava mais lá. Eu caminei confusa até o Filipe.
- Olha, essa é a única Gabrielle que anda por aqui!(F)
- É essa mesmo, valeu!(S)
- Ah, de nada, se vocês quiserem a Gabrielle coloca vocês pra dentro na balada. Vai ser bem legal!(F)
- Balada Gótica? Não, valeu, não temos boas lembranças de baladas assim...(D)
- Ah, tudo bem então, Gabrielle, agente vai entrar daqui a pouco.(F)
- Filipe, você viu aquele garoto sentado ali naquele banco?(G)
- Garoto? Ih... o absinto já fez efeito cedo hoje? Não tinha ninguém sentado lá maluca! Vai lavar o rosto, vai!(F)
- Mas, eu...ah esquece.(G) - Ele entrou na casa noturna e eu fiquei com os olhares furiosos da Sofia.
- Então é aqui que você se esconde?(S)
- Ai, como você me achou aqui?(G)
- Eu sempre soube que existia esse lugar, e sempre achei que era o tipo de lugar que chamaria a sua atenção e quando ela começou a ficar furiosa eu resolvi te procurar por aqui!(D)
- Ai ai, não vou me livrar daquela festa de aniversário, vou?(G)
- Não, não vai!(S)
- Vocês vieram com Vincent?(G)
- Não, viemos de taxi, agora você leva agente de volta!(S)
- Ok, então, vamos...
Quando nós chegamos a casa já estava cheia. Eu fiquei surpresa, pois fora as outras quatro pessoas que moravam comigo e o Vincent, todos os meus outros amigos, que não eram muitos, ficaram na praça no centro de Campinas.
Nós entramos e eu pude reconhecer muitos rostos de mutantes da mansão. Todos me receberam com palmas e barulho. Depois eu tive que dar atenção a todos de boa vontade, embora estivesse gritando por dentro, louca para fugir dali.
- Oi Gabrielle! é uma pena você ter deixado de frequentar a mansão... Você faz falta sabia?(Sam) A menina japonesa parecia realmente sincera, mas eu sabia que não fazia a menor importância, não para ela. Eu retribui as palavras gentis com um sorriso e quando ela me perguntou o porque da minha desistência eu arranjei um jeito de sair de perto dela. A festa seguiu tranquilia até a hora do parabéns. Eu fiquei louca da vida com a Sofia quando ela me informou que essa hora havia chagado. Eu me encolhi no meio dos meus quatro amigos, enquanto todos cantavam, gritavam e batiam palmas, e então o Julian me disse para fazer um desejo e soprar as velas. Eram duas velas cor-de-rosa, decoradas com purpurina em formato de um e de seis. Eu não desejei nada. Mas no momento em que fui assoprar as velas, o rosto dele, veio em minha mente. Eu lutei contra a lembrança viva dos olhos dele, e das últimas palavras que ele havia me dito. O buraco em meu peito de abriu um pouco mais e eu usei todas as minhas forças para reprimir a falta de ar que eu senti. Eu apaguei as velas e forcei um sorriso. Sai de perto das pessoas e fui procurar um canto sossegado do lado de fora da casa.
Foi quando o anjo passou outra vez.
Eu estava chegando perto do portão quando o vi passar do lado de fora.
Um dos seguranças da casa me perguntou se eu ia sair. Eu disse que sim e quando eu voltei meus olhos para o garoto novamente, ele havia desaparecido. Eu realmente comecei a me preocupar com a minha sanidade mental. Eu sai e procurei pela rua. Era uma rua comprida, mas não haviam cruzamentos ou ruazinhas próximas, se tivesse mesmo passado em frente a minha casa, estaria ainda caminhando pela rua. Mas estava tarde, escuro e deserto.

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